CARTA PARA LER DEBAIXO DOS LENÇÓIS
CARTA PARA LER DEBAIXO DOS LENÇÓIS
Marília L. Paixão
Poderia começar de trás para frente como se tornou comum nos filmes. Poderia começar do meio em diante e depois voltar atrás. Poderia começar da volta ou do fim. Só do princípio é que não.
Afinal, quantas vezes começamos? Quantas vezes nos castramos, quantas vezes jogamos nosso amor rio afora? Milhões de vezes! Nenhuma delas foi pela Brooklyn bridge. E nenhuma das tentativas de matar de vez o amor foi feito na famosa preferida pelos variados tipos de suicidas, a Golden Gate.
Deve ser pela nossa falta de famosas pontes por perto que ainda sobrevivemos. Claro que eu não ia dirigir até a ponte Niterói para te perder. Morávamos muito longe. A ponte mais próxima era mais conhecida por pescadores de peixe.
Antes que eu prossiga não repare essas letras. Possuem gotas de vinho e pedacinhos de vidro quebrado da garrafa desde ontem. Será que estou tentando me matar hoje? Esta quase tudo embalado e sequer cheguei às fotografias. É por conta delas que estou escrevendo. Será que vou passar a vida me mudando e levando junto à mala de fotos fechada, bem lacrada cheia de felicidades e mentiras?
Vou transformar em filme esta carta ao invés de mandá-la para você. Vou jogar fora a besta da mala tão pesada de fotos suas. As tais fotos que você vive me pedindo como se ao lhe entregar eu não estivesse me entregando. Você jura que merece pelo menos uma cópia das tais fotografias, mas se esquece que eu estou junto em cada uma delas e que eu não mais quero me entregar para você.
Essa carta é para ser lida debaixo dos lençóis ou então vai virar filme. Filme tipo aqueles já bem vistos. Gostaria mesmo é que se enviasse debaixo dos lençóis e chorasse como um anjo que tivesse perdido as asas. Mas você apenas perdeu o melhor do vôo, não novos ares e isto até que é bom.
É bom porque eu lhe desejo a sombra de um paraíso aberto. E eu queria tanto que quando você sorrisse fosse pelo seu amor estar por perto. Eu queria que a sua felicidade real fosse maior que a que lhe desenho sempre que te ouço ou sinto que ainda lhe tenho.
Eu sempre escolho as cores mais bonitas para desenhar uma felicidade para você.
Eu ia começar essa carta lhe dizendo que toda vez que sonho com a sua felicidade eu choro e dou graças a Deus por estar nestes momentos sozinha. Poder lhe dizer que é tão doloroso quanto maravilhoso lhe desejar todo o bem. Há um tempo atrás a dor era maior, mas na medida em que vai diminuindo parece que as lágrimas voltam com mais freqüência.
Falando assim o amor parece uma coisa desgraçada, feito um beco no qual corremos perigo de vida.Mas pelo meio da carta eu explicaria que não é assim que ainda te amo. Num início de carta eu deixaria claro como um rio claro que o nosso amor virou uma bela ternura desde que você durma em um quarto e eu em outro. Mas essa carta terá essa parte deletada ou sua mulher nunca mais desejará ver meu rosto. Caso eu não delete fica mais um motivo para ela ser lida debaixo dos lençóis. Lembre-se: eu sou apenas a escritora dos nós. Mas quem os deu, foi você.
Aproveitaria a carta bem justificada com a mudança de endereço. Sinto carinho e ternura pela sua mulher também. Jamais desejaria magoá-la ou atormentá-la tendo o meu amor como presença. È por tudo isso que o meu amor eu te nego em qualquer instância. Mas ao não negar-lhe a existência já é um bom teto para todos os nossos sorrisos sinceros de mais puro afeto.
De qualquer forma, continue lendo debaixo dos lençóis e se for preciso, rasgue. Afinal, são só linhas que se repetem por mais que passam os anos. Será que todo grande amor é assim? São como filmes que fazem chorar e nunca mais esquecer? Eu sou feliz por ter me mudado de você, mas confesso que adoro lhe ver tempo em tempo. Se eu continuasse essa carta seria um quebra-cabeça sem fim saber qual parte viria primeiro, qual ficaria melhor no meio e qual seria o melhor fim.
Só sei que quero lhe ver muito mais feliz da próxima vez. Mas saiba que feliz estou por não ter mentido. Não disse que não te amava no início, não disse que não te amava no meio e jamais lhe direi que não amo no fim. Em meus nós não há mentiras. Por isso carregarei minha mala enquanto eu tiver vida. A mala das fotografias. As fotos da felicidade de um dia. Qualquer dia destes não mais escreverei sobre o amor por causa de você. As palavras parecem estar mais para filme que para carta. Mas como não estou debaixo dos lençóis, ela me basta.
--------------------desligando e deconectando o computador por tempo indeterminado. Um grande abraço.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 06/08/2008
Alterado em 12/08/2008
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.