QUEIME MINHA ROUPAS ESFARRAPADAS
QUEIME MINHAS ROUPAS ESFARRAPADAS
Marília L. Paixão
Talvez para escrever como ninguém nunca escreveu, eu não deva ler ninguém. Talvez eu deva não me medir ou se medir deva esquartejar a cabeça, depois os membros superiores e inferiores. Talvez para gostar de me amar mais um pouco eu deva me presentear menos com doces ou frases gordurosas. Quem sabe eu deveria me voltar para o inglês ao invés de insistir tanto nesta língua Pátria que muitas vezes nos fere feito faca a nos aturdir sem oferecer um chiclete de SOS.
Caso não decapite nada amanhã poderei enfiar minha cabeça numa estreita lata e torcer para que ela não seja de azeitona e nem de sardinha. Com a lata na cabeça olharei no espelho para ver se me acho linda. Se o espelho não gargalhar é por que terei ficado louca e por isso ele prefirirá não rir devido a um certo respeito. Mas se não existir lata será por quase não mais existir samba e já que eu nada danço não fará muito efeito à falta do som ou de qualquer ritmo.
Afinal, o meu mundo é só meu e estou numa ilha em que só encontro Marília em cada canto do espelho ainda inteiro. Até o exato momento ainda sou dona dos meus próprios braços e demais membros. Sequer a cabeça cortei fora e não vejo nenhuma chance de lata, seja de goiabada ou marmelada para prendê-la. Talvez melhor seja dormir que alcançar vôo para as terras de ninguém, pois para as do nunca até filme já fizeram a respeito.
Talvez só me reste mesmo inventar uma ponte de plástico onde ao pular com o falso intuito de me matar eu sobreviva em forma de borracha. Serei a borracha que apaga a vergonha dos que não tem vergonha ou serei a que apaga o fogo que não consegui ser ao tentar aparecer feito uma chama de lamparina apagada.
Quem sabe o que me resta é sair estrada afora perguntando: você tem fósforo? Você pode me queimar um pouco para que eu me transforme numa borracha preta? Justo eu que sempre tive pavor de queimaduras. Por favor, queime minha ternura, queime minhas roupas de letras esfarrapadas que elas não servem mais pra nada.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 31/08/2008
Alterado em 31/08/2008
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