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FOI ASSIM QUE ELE ME OLHOU SE ESCORREGANDO PARA O CHÃO
FOI ASSIM QUE ELE ME OLHOU SE ESCORREGANDO PARA O CHÃO
Marília L. Paixão

É fácil alguém se aproximar de mim sem que eu perceba e me assustar muito, mas dificilmente eu assusto alguém. Mas desta vez eu assustei e muito. Daqueles sustos que a pessoa perde um pouco o equilíbrio, mas foi sem querer.
- Por acaso você está esperando algum telefonema?!
De tão surpreso com minha aparição o que seria um pulo parecia mais um escorregão e ele escorregou até bater na porta da sala.

- Não. Eu estava apenas olhando o telefone.
- Pulando ao redor do telefone, você quer dizer, mas para quê? Qual o motivo de tanto interesse, Dagger? Gostaria de telefonar para alguém?
- Eu estava pensando se a gente poderia... ligar para uma pessoa...
- Você quer dizer, a gente, um sapo ou a gente, eu?!

Dagger não é muito de gaguejar. Geralmente ele responde logo ou não responde. Olhei bem no fundo dos olhos dele para que ele não temesse e a resposta veio em seguida.
- A gente, um sapo.
- Sim! A gente um sapo quer dar um telefonema! Ótimo! Pule aqui na minha perna.

Agora foi a vez dele me olhar nos olhos com seus olhos negros destacando dentro dos meus castanhos.
- Você vai me fazer um cafuné?! Você não é disso...
- Acho que ando mole esses dias, Dagger. Deve ser o fim deste belo ano. Pule logo aqui que eu não vou te ensinar a usar o telefone.

E para que ele ia querer o telefone enquanto podia contar com o meu colo? E para que existia todo aquele mato crescido lá fora se ele estava bem ali? Em nenhuma nuvem ninguém precisaria desenhar o coração do amor se eu estava fazendo tempo para ele e ele para mim. Mas quando é que ele não fazia tempo para mim? Senti o pulo na minha perna e parecia um peso levinho como se fosse frágil como é frágil o amor e por um momento hesitei antes de tocar-lhe a cabecinha. Senti que ele se encolheu um pouquinho como se esperasse o toque e o fiz levemente. Ele existia. Existia e sabia de sua importância tão rica e sublime.

- Para quem você gostaria de ligar?! Perguntei. Mas na verdade eu sabia. Mas era bom deixá-lo falar. É sempre bom ouvir o coração dos outros. É uma forma a mais de demonstrar amor.
- Para a moça das ruas belas.
- Ela não te atenderia. Nem a mim ela atende. Ela sempre pensa que eu não sou eu. Mas você pode escrever para ela.

- Mas o que eu escreveria?!
- O mesmo que você diria ao telefone, uai?!
- Mas falar é mais fácil que escrever!
- Depende, Dagger! Para algumas pessoas escrever é mais fácil que falar.
- Mas eu não sou pessoa! Esqueceu?!
- Não. Não esqueci. Mas você vale por mil pessoas, Dagger.
- Mas para escrever eu não valho um dedo seu.
- De onde você tirou isso?!
- Eu não pulo só ao redor do telefone. Pulo ao redor do seu notebook também.

- E de qual lado do meu coração você mora enquanto deseja tanto falar com a moça?
- Do lado em que eu vejo quando as pessoas passam.
- Você deve ver muita gente!
- Algumas sim. Mas nem todas eu sei o nome.
- Que tal se eu pedir para ela te escrever?!
- Você acha que ela me escreveria?!

Sabe quando os olhos de alguém parecem se multiplicar e alcançar o tamanho de uma jabuticaba?! Foi assim que ele me olhou se escorregando para o chão como se fosse sair pulando feliz para o mato. Mas  voltou a pular para minha perna a espera de um novo cafuné.
- Acho! Acho que ela vai adorar te escrever.




Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 30/12/2008
Alterado em 30/12/2008
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