NÃO PASSA E NEM DEIXA EU PASSAR
Enquanto ainda há rosas brancas em meu quintal penso que há tempo para tudo. Tempo para o salão que maltrata, mas enfeita, tempo para escrever cartas que não são escritas, dar telefonemas que não são dados e tempo para o lazer. Este é o melhor tempo para qualquer um se incluir. Este tempo é o tempo em que nos voltamos para a gema do nosso próprio ovo. Mas de tantas coisas que há lá na gema e que gostaríamos de fazer ficamos até sem saber qual coisa que será a feita.
Para o escritor é fácil! Ele começa a escrever e o lazer vira isto. Está certo o José Cláudio que imagina o seu fim numa cadeira diante um computador. Provavelmente metade dos recantistas imaginam que terão este doce fim. O fim em alguns versos ou no meio de um parágrafo da sua melhor crônica.
Felizmente eu não penso muito nestas coisas de onde ou como vou morrer. Penso mais é onde vou morar lá em cima e se terei minha poltrona que faz tempo Deus me prometeu que será bem confortável. Ah! Sonho com uma xícara de café bem fumegante e um jornal cheio de notícias boas. Quem sabe lá poderei ter uma alimentação perfeita tipo as recomendadas pelos nutricionistas com aqueles benefícios todos do Ômega 3, das castanhas, dos tomates, do azeite de oliva...
Deve ser por isso que não temo a morte, mesmo não tendo pressa nenhuma de ir para o céu.
Sim!Sei que deveria polir meus defeitos para ser merecedora da melhor poltrona daquele espaço azul e branco, mas penso também que talvez o meu tempo esteja dividido entre o que fui e o que serei e o que serei é só ele mesmo quem sabe. O fui será coisa do passado e o serei será coisa da sorte. Por essas e outras não desisto de fazer um jogo na casa lotérica sempre que não tem muita fila.
Sim, Deus! Eu ainda tenho planos para as coisas materiais aqui da terra e com vossa licença eu quero continuar aqui neste tempo em que no futuro será o meu passado. Eu sou o fui ainda. Ainda não sou o serei.
E ainda outro dia no trânsito o sinal abriu para mim e eu comecei a arrancar e vieram umas garis atravessando a rua. Então eu parei. Elas viram que estavam erradas e pararam também. Fiz sinal para elas irem e elas fizeram sinal para eu ir. Ninguém se moveu. Resolvi ir. Quando eu fui elas foram também. Tornei a parar. Uma delas me olhou com cara de brava e resolvi que esperaria elas passarem. Ela então fez um gesto para eu ir e eu fui. Quando eu fui ela foi também. Tornei a freiar.
- A muié não passa e nem deixa passar! Passa logo muié!
Gritou ela, com cara de a revoltada das garis enquanto as outras só sorriam.
- Desculpe-me querida. Podem passar vocês primeiro.
- Depois de atrasar a gente toda, a muié que dá uma de educada. Muié folgada!!!
É por isso que não tenho medo da morte. O paraíso não é aqui. A gari faltou pouco para esmurrar o carro, já que eu não passei em cima dela. Eu digo apenas para Deus. Como estou fazendo progressos com minha paciência, não se esqueça da minha poltrona bela.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 22/09/2009
Alterado em 22/09/2009
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