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O PREGO QUE VIGIAVA O TEMPO


 

Não tinha porque deixar aquele prego na parede mas lá ele estava como se fosse parte importante da sala. Uma vez nele deixou um quadro pesado por uns dias, mas sentira falta de ver o prego a lhe fitar e desistiu do quadro.

 

Era ali que sua vó pendurava a folhinha com os meses. Seria brega conservar um calendário ali. Teve que concordar ao ver restaurada a sala, inventou mil formas de decorar o prego para não perdê-lo de vista. Ali já experimentara pendurar a chave do primeiro carro, chave do diário, depois passou a pendurar a chave das mentiras inclusive as que lia em jornais e revistas. Que a educação seria prioridade, a saúde uma nova realidade para vigorar com a longevidade e todos viverem mais tempo não importando a classe pertencida. Ali já pendurara seu coração sangrando, quando pensara que estava pela última vez, amando.

Também não deixava de pendurar o medo de se aventurar. O medo das novidades por vir. Fitar aquele prego era o mesmo que fitar a velha folhinha com os dias passando, mesmo que sem pranto.

 

Talvez já tivesse passado da hora de tirá-lo dali.Rasgar a imagem do gatinho do mês de janeiro, rasgar fora o cãozinho do mês de fevereiro, a zebrinha de março...trocá-las por imagens de outros países ou se ver finalmente livre daquelas vertigens... tirar o prego que lhe prendia ali dentro como se fosse presa da vida lá fora e por ali ficasse perdida dos dias.

 

Tomou coragem e desceu as escadas, depois as subiu como se carregasse uma decisão de ouro. A campainha havia tocado lhe tirando de um transe quase mágico. Abriu a porta assim mesmo já não se importando com nada. Uma coisa já sabida era que mágica não existia.

- Onde vai ficar a estante? Perguntou-lhe o rapaz.

- Naquela parede. Mostrou a parede que não mais parecia enfeitiçada pelo tempo.

Lhe entregou o martelo e ordenou que tirasse o prego como se toda uma vida estivesse resolvida. O jovem entregador de mobília um pouco assustado tirou o prego da parede, deixou lá o martelo com o qual ela lhe apontara a cabeça como se ele fosse uma arma e se mandou. Bem lhe dizia o avô, que loucos existiam de todos os tipos.

 

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 05/10/2009
Alterado em 05/10/2009
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