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PALAVRA MÓRBIDA

 

Catarina estava pensando em se enfeitar e sair para a vida quando uma enxurrada de palavras feias lhe atravessaram o caminho. A primeira delas foi ao vestir um casaco que lhe apertou a barriga. Tentou murchar a pobre coitada e o que murchou foi a esperança de um belo dia.

Com um furacão de palavrões nada decentes se xingou de vários nomes entre eles de desmazelada e otária, pois a balança já havia avisado sobre o corpo pesado. Olhou para as gordas ancas e se imaginou tendo que se despir para um novo homem. Certamente ele a consideraria boa para limpar os ralos do banheiro cheio de chumaços de cabelos e não lhe diria nada gentil nem mesmo para fingir agradar uma velha puta.

Catarina sempre achou a vida uma santa desgraça enquanto nada podia fazer ao namorar um sonso padre com o rabo do olho. Não poderia culpar ninguém, pois sabia-se gorda, mas não importava, mas isso era enquanto as roupas serviam. Pois pobre, como era, ainda tentava manter os quitutes, as carnes ou cachaças com galinhas pretas no terreiro, mas para roupas novas?! Necas de catibiriba! Cuspiu e o cuspe por azar foi parar no seu cão perebento que nem reclamou da gosma que ficou sobre o pêlo. Coitado. Estava para morrer naquele terreiro nojento.

Para piorar veio os males e gastou com médico. Ele lhe falou de obesidade mórbida e se não mudasse hábitos  podia falecer  primeiro que o cão. O bom de morrer seria não precisar peitar a vida que sequer ofertava roupas para um corpo mais ou menos decente. Talvez tivesse chegado a hora de jogá-lo fora e não mais dá-lo  por nenhuma mixaria. Afinal, não precisaria dar a honra da morte para a tal palavra mórbida.

 

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 09/02/2010
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