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A MULHER - BVIW - Tânia Meneses
A MULHER

A luz vagarosa e calma da vela desenhava cenas estranhas nas paredes do quarto pequeno e úmido. Era o que dava para Antônio avistar todas as tardezinhas quando voltava da repartição pública onde trabalhava. Jamais viu uma pessoa assomar àquela janela estreita e carcomida. Certa vez ainda esgueirou-se e rapidamente desistiu. Deu pra notar que havia uma camisola de cetim sobre a cama muito antiga e escura. Lembrou-se, em seguida, que vira um console onde havia um porta-retrato dourado e a foto de uma linda mulher. Naquela noite sonhou com ela lançando-lhe pelo corpo os cabelos negros ondulados. Viu astros formidáveis em meio aos fios da cabeleira. A moça o beijava ardentemente. Acordou preocupado. O que significaria aquilo?Quem era aquela moça?Por que vinha do porta-retrato para os seus sonhos?Devia ser uma mulher casada e isto ele respeitava e temia. Nesse dia, sem perceber de imediato, vestiu a melhor camisa,tudo era omelhor,penteou bem os cabelos, olhou-se longamente no pequeno espelhoda banqueta. Fez uma breve oração e seguiu para o trabalho. Pela manhã a janela estava fechada, mesmo assim olhou. Levou uma topada na calçada enquanto cantarolava uma antiga canção. A moça nadava em suas retinas, chegou a repetir os beijos do sonho. O dia não terminava. Na hora do almoço preferiu organizar-se e refazer ocabelo.Tomou um suco, escovou os dentes mais vezes do que costumava e pensou ver a moça no espelho.A tarde foi a mais longa de sua vida. Cantava a mesma canção automaticamente. Chegou a hora. A janela aberta, a vela acesa no mesmo lugar. A mulher sorria no porta-retrato. Empurrou a porta, entrou. Nunca mais se soube de Antônio. Todos os dias a vela acesa continuava escrevendo histórias nas paredes do minúsculo quarto da Rua do Sol Nascente.

Texto de Tânia Meneses


Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 15/07/2010
Alterado em 15/07/2010
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