Textos

A ÚLTIMA COLHER DE SOPA



Ela me ofereceu uma sopa e eu disse não, obrigada. Já tinha ido para o estômago um bom pedaço de galinha com feijão preto e arroz com cascas de limão bem branquinho. Contei para ela sobre minha preferência por cenoura amarelinha enquanto ela ficava com um purê de batatas e depois ficamos em silêncio por meia hora. Fui lá lavar as vasilhas e ela foi tomar a sopa educadamente. Nunca mais nos falamos. Talvez no rádio dela na década de sessenta ela curtiria o Elvis Presley enquanto eu manteria o meu desligado nos anos 70 para não ouvir o Roberto Carlos. Cunhados?! Nem sei quantos já tive. Não cheguei a perguntar quantos ela teve. Lembro que enquanto a água da pia corria pensei que deveria ter desejado uma boa noite de sono com todas as fechaduras trancadas, mesmo se lá fora o céu desenhasse uma linda lua, mas quem disse que lembramos de tudo a tempo certo? Assim que havia lavado a último prato imaginei se ela tinha colocado na boca a última colher de sopa. Há coisas que passamos uma vida sem saber. Suponhamos que hoje ela tivesse uns 90 anos se eu já tivesse os meus 78... O que ela pensaria se descobrisse que um dia escrevi sobre ela em sua rica sabedoria bem administrada ao falar com os outros? Será que ela sorriria como em um quadro da monalisa ou pensaria em trabalhos melhores que o desta famosa moça? Se eu estivesse certa que ela ainda em vida teria acesso a este texto eu poderia pedir que pintasse a última colher de sopa.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 27/07/2011
Alterado em 27/07/2011
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários


Imagem de cabeçalho: inoc/flickr