Textos

SE EU A DELETASSE...


Como uma boa dona de casa que gosta de acordar e encontrar a cozinha arrumadinha, ontem lá para as 9 da noite me despedi da vida boa que poderia ter um poeta mesmo sem motivos para poetar e dei um jeito nas vasilhas. E como quem se preocupa com o dia seguinte revivi mentalmente todas as minhas obrigações da segunda-feira pensando que tudo estava certo. Nada preocupante. Até o compromisso com o funileiro que arrumaria a porta do carro. Estava preparada para o dia a pé e mais o outro. Só não sabia que a madrugada me reservava um mal estar daqueles que a gente acha é que o travesseiro está ruim e que breve passará. Bem! Não passou e nesta manhã depois do simpático senhor da funilaria me tomar o carro fui para o hospital público onde o médico tomou minha pressão, enviou uma lasquinha de madeira em minha garganta e depois tentou ouvir meu pulmão, acho. Confirmou a gripe e não me negou o atestado que pedi com a voz moribunda, afinal, não tinha nem corpo e nem espírito para salas de aulas. Ele não duvidou. Também se duvidasse teria mais um estoque de argumentos que prolongaria a consulta. Nada seria mais absurdo que um jovem médico duvidar de uma senhora professora passando mal, principalmente se ela já bate na porta dos cinqüenta. Penso cá comigo que daqui a dez anos professores não baterão nem na porta dos quarenta. Vejo os professores na porta dos vinte iniciando a profissão como se ainda fossem encontrar nela recheios de bolos de chocolate. Não demoro e descubro que é apenas entusiasmo do primeiro emprego, entusiasmo este que não demora nem uma linha de uma crônica para acabar. Como o assunto deste texto não é este, vou verificar o horário do Trimedal antes que a dor do corpo faça meu espírito deletar essa crônica. Já pensou no seu prejuízo se eu a deletasse?! Já em relação a letra do médico, até a data é difícil de entender. Mas aqui estou eu para lhe garantir que é data de hoje. Com essa idade já aprendi que não somos destinados a sermos heróis de nada. Para que então fingir que estamos bem e ir trabalhar assim mesmo? Já que ele me receitou remédio para três dias, por que eu teria que aceitar atestado para um dia só? Por favor, doutor! Apenas pensei. Depois quem vai pagar sou eu mesma. Eles nos fazem pagar antes de aposentar por todas as faltas e todos os atestados. Nada é perdoado nesta vida, nem na saúde, nem na doença. Por conta da falta de riqueza a gente escreve para que os dias pareçam mais bonitos, mesmo quando sombrios. De uma forma ou de outra os professores conservam a missão de enfeitar a vida. Encarem este texto como uma contribuição já que de outras formas, hoje estarei ausente.



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Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 27/08/2012
Alterado em 27/08/2012
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