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FORME PALAVRAS COM AS LETRAS
FORME PALAVRAS COM AS LETRAS
Marília L. Paixão

Ando passeando por um arquipélago. Às vezes sorrio, às vezes só espero. Sempre que deságuo ainda sobram roupas sujas, sabão, coração e força. O caldo dos tristes começos se escorreu faz tempo. Morreu a adolescente ao perder o medo e a mulher foi brotando fragilmente com a preocupação de ser uma semente boa. Sabia que para ser boa tinha que ser guerreira e para ser guerreira tinha que ser verdadeira. Foi assim que explodiu tendo uma vida nada fácil. Tijolo era algo bem concreto e gostava de olhar estrelas. Mas aquilo era coisa do céu e da menina tímida. A solidão lhe apresentara as primeiras letras no silêncio do quarto e até pelo barulho da casa que dividia com tantos irmãos. Essa coisa de ficar contando segredos e suspiros para as letras começou cedo e acabou mais cedo ainda. A vida era dura, dura, dura. Abandonou as letras. Foi à luta, fez coisas que fazem os adultos, trabalhar no que gostava ou não para se manter. Sobreviver já não era arte, era o mal necessário para que pudesse existir algum sonho. Uns trinta anos depois voltaram as palavras. Agora elas não pareciam àquelas tolices de adolescente que quer morrer de amor e de amor morrer, que sente raiva, ódio e mágoas profundas, mas não sabe de que. Agora a mulher entende tudo que sente e quando não estende, tenta colocar significado aos sabores que vai experimentando. As palavras antes faleciam com os fatos, desilusões e descrenças. Hoje fazem retratos de cada tragédia ou fazem festa por onde sua dona passeia. Quando a dona pensa em escorrer elas dizem: Forme palavras com as letras.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 25/10/2007
Alterado em 27/10/2007
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