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MIL PENAS EM "BABEL"
MIL PENAS EM “BABEL”
Marília L. Paixão

Eu ando vendo e revendo “Babel”. Ando ouvindo e não ouvindo e deve ser por conta de alguma babel. As pessoas se conhecem e não se conhecem. Elas se cruzam sem perceberem. Outras se encontram tão frequentemente e mal se olham. Trocam falas, mas na verdade as evitariam se pudessem. Este é o mundo. Este é o verdadeiro silêncio. Cada vez nos tocamos menos. Os seres são separados pelos próprios interesses. Quando são muito divergentes uma nova guerra impera. Mas a vida é bela com uma coca-cola em qualquer lugar do mundo. Basta ter cuidado com o gelo que você coloca nela. De qualquer forma com gelo ou sem gelo o casal parecia já muito triste. Isto estava no filme para qualquer um ver. Até no fim do mundo tem coca e rádio. Não me lembro se tinha aparelho de TV. Apenas uma ambulância é coisa difícil de se ver. Mas quem não viu Babel, tem que ver direito. Tem que ver crianças e seu apreço. Que coisa mais linda pode ser uma criança pegando uma galinha. Que coisa horrorosa pode ser essa galinha sendo assassinada diante os olhos desta mesma criança. Pior que isso é ser pai de criança abandonada no deserto sem estar por perto. Pior que isso é ter que abandoná-las debaixo de um arbusto quem as viu crescer. Fica difícil medir a dor de quem ama e abandona. Fica difícil medir a dor de quem as ama, mesmo sendo amor de ama. Enquanto isso outras dores se cruzam mesmo não parecendo ter uma explicação. A dor da solidão dos japoneses. A dor oculta entre os novos e fantásticos prédios e velhos preconceitos. A dor da rebeldia... Das fantasias não realizadas...
A dor da família camponesa. Os criadores de cabras, de sonhos e ilusões, criadores de fantasias sexuais, de asas para voarem pelos cumes de montanhas pedregosas. O que é uma arma na mão de pobres sonhadores? Um brinquedo novo? Um atirador de pedras automático? A que distância alcança? O que será que o mal alcança? A ignorância a muito pouca coisa boa alcança. A ignorância é cega. Mas fere, mata, depois esquece ou nunca mais esquece. Tudo depende do preço que se paga. Erros não cobrados se repetem banalmente. Erros bem pagos são no futuro evitados. Assim nos mostraram uma arma sendo quebrada. A mesma arma que foi usada para uma tragédia enfática. E Susan? Susan que já não sabia se morria ou não morria. Mas não queria morrer. Susan estava a se encontrar enquanto jazia. Susan que já estava um pouco morta mesmo antes de ser atingida. Já lhe faltava luz mesmo no deserto tão claro. Tudo piorou quando a penumbra veio. Por outro lado o seu ex príncipe era um novo rei. Era novo por que era tudo que de mais belo ela tinha. Susan que aos poucos se despedia da vida o via tão belo e nele depositava sua mais nobre confiança para cuidar de suas crianças. Logo ele, com quem já não falava de amor. Em troca, buscava ocasiões para reclamar da vida e da dor da vida que não era nada comparado com aquela nova dor de quem não ia resistir mais. Ela que nem sabia da loucura que acometia seu rei enquanto morria por sentir que a perdia. Enquanto gritava feito fera com todos que pouco poderia ajudá-lo. A vida parecia uma água a escorrer pelo ralo.
Mas havia uma mão amiga por perto. Havia um Marroquino cheio de calor humano, de valores e brilho. Este ia e vinha para ajudar o tempo todo sem aceitar nada em troca, como o final do filme mostra.
E Amélia, pobre Amélia... Ser deportada, por conta de uma festa, por conta de uma loucura imensa que nos leva a sempre optar pelo bom senso, nunca pela ocasião. A razão lhe mandava ficar em casa a cuidar do serviço não desacatando a folga não dada. A emoção do casamento do filho teria que ser perdida. A razão mais forte em jogo. O emprego, a vida escolhida no país dos sonhos. Se Amélia pudesse escolher de novo, teria perdido o casamento, claro! De forma alguma iria querer ter perdido as crianças no deserto. Também os americanos jamais teriam escolhido Marrocos para um passeio. A Japonesa também teria escolhido não ter nascido se soubesse que a vida de surda e muda fosse tão cheia de rejeição mesmo sendo tão linda e rica. Será que teria escolhido não ter nascido? Será que se mataria um dia como se matou a mãe? Será que a mãe se matou? Será que o mesmo Santiago que já tinha sido preso embriagado, daquela enorme fria se salvou? Pareceu que sim... Mas tudo que ficou parecendo no filme ficou tão ambíguo... Assim são os seres? Somos mais maldosos que humanos? Somos humanos nos decompondo, nos distanciando mesmo dos mais próximos? Aonde chegaremos com a frieza das fronteiras? Quantas fronteiras há em cada um de nós? Quem permitimos chegar? Quem obrigamos a partir? A quem ouvimos? Com quem falamos? Estamos nos comunicando? Até que ponto temos razão? Temos tido tempo para deixar chorar a emoção? Lembre-se da cena do pai chorando ao telefone ao falar com o filho. Aquela cena já valeu o filme. A verdade é que vale mil penas ver “Babel”. E dá pena de quem viu e nada entendeu.
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 26/10/2007
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