PÃO E LEITE
Marília L. Paixão

Não faço questão deste arroz com feijão sem a carne
O primo morreu por causa de muito ovo na janta
Mande o filé
Mande soltar o ladrão que roubou alcatra no açougue
Não roubou a arte de cortar a carne
Não me furou a costela com nenhum tiro
Pai, o senhor está certo
A vida é bela
Com uma cerveja ou duas
A vida não é mansa
Tanto trabalhou
Que o corpo cansa

Pai
O senhor chegava tarde demais
Nunca a tempo para o almoço
Nunca a tempo para a novela
E minha mãe fazia do senhor
Uma imagem nunca bela
Ainda bem que eu pouco entendia
Ainda bem que ela não ficava rezando ave maria

As más falas que eu ouvia não batia
Com o homem que chegava em casa e me dava moedas
Para o batom de chocolate
O picolé e o sorvete
Em sua ausência a mãe só dava para o pão e o leite.

Hoje eu sei que o senhor bem que podia
Ter ficado mais tempo com a gente
Do que com as outras
Como ela dizia
Do que trabalhando tanto
Como o senhor se defendia

Hoje ao saber dos outros irmãos que eu nunca vi
Acho que mamãe estava certa
Acho que entre vocês não havia festa
Acho que quem perdeu fomos nós
Os nove do senhor com a minha mãe
Mas o senhor tomou da gente foi o seu próprio coração
O senhor saiu perdendo em todos os tempos em que não nos demos
Embora  tenha nos dado suas fortes mãos, abrigo e proteção.

Veio o dia em que mamãe falou que eu estava andando com bandidos
Mas o senhor acredita?
O senhor me perguntou na esquina da calçada
como se fosse um assunto mais delicado que sério
- Que papo era aquele da sua mãe?
E eu respondi:
- Não tem nada disso não!
Mamãe não anda bem da cabeça
É só amizade essa coisas de turma
Não rola nenhuma besteira
O senhor sabe bem
Mamãe é acostumada com a tristeza.