Mirna vivia com a cabeça além terra ou além mar. Não necessariamente nas nuvens... Quando a maioria estivesse preocupada com que roupa ir a algum lugar, ela pensava nas vias de mãos duplas de suas poesias.
Se quem foi feliz demais com um amor, não precisa mais de outro, este era o caso dela. Não estragaria a horta do quintal e nem o pé de carambolas. Até que uma família com crianças mudou-se para a casa vizinha. Virava e mexia batiam palmas e ia ver...
- Dona, a senhora pega nossa bola que caiu aí?! Foi ele quem chutou muito alto, não fui eu não! Como se isso fizesse alguma diferença. O fato é que a bola quebrava flores, quebrava o alface, as cebolinhas... Pegava a bola, entregava e não passava uma semana sem ela cair lá novamente. Numa noite a bola atravessara a janela e o vidro quebrado lhe fizera estremecer de susto. Bateram palmas e era a mãe dos meninos. Tinha um ar de infeliz da cabeça aos pés. Disse lamentar muito, mas no momento não teria como pagar pelo vidro.
- Estou separada tem pouco tempo, meu ex marido não tá ajudando com nada, sabe?! ... Não fora uma forma bonita de se conhecerem e Mirna suspeitou das marcas no rosto da mulher. Disse tudo bem e se despediram.
Mirna decidiu que escreveria sobre aquele dia em que vira a miséria no rosto do outro. Não só miséria externa, mas também interna. E concluiu que dali para frente não se importaria com o estrago da horta ou das roseiras. Pessoas infelizes de fato, tinham problemas muito maiores que aquele.
Marília L Paixão