Eu tiro um cochilo enquanto o Ridículas escorrega para lá e para cá no painel do carro. A mulher que dirige diz que me ama. O Contas do Rosário não cai porque as mãos da dona o seguravam firmemente. Um dos problemas do novo mundo é que segredos deixam de existir. Privacidade é uma porta aberta e o amor vai mesmo se tornando ridiculamente escancarado e empobrecido. Será amor se alguém o quiser.
Ainda assim, haverá um espelho no sótão. Nele se fitarão mulheres a procura dos homens que amaram. O espelho dirá que morreram todos. — E nós, o que fazemos aqui? Perguntará uma das mais ousadas embora se sentindo com a alma bastante ferida e cabisbaixa.
— Ora! Não há o que fazer. Vocês foram as primeiras a morrer.
A jovem de meia-idade foi embora seguida por todas as outras, se sentindo uma alma em vão. Talvez fosse mesmo função do espelho desencantar almas que ainda querem viver.
Reza a lenda que o espelho vive sofrendo atentados. Ninguém gosta do maldito. Será que ele ri das almas mais penadas? Será que seus reflexos pioram a estrada?
Marília L Paixão