Era madrugada de uma manhã fria. Lá fora, nem as corujas se atreveriam a esticar os olhos diante da ventania. Lá dentro, encolhida como um gancho de um cabide, a menina também não se atreveria a sair do closet onde já não existia mais as sandálias de sua mãe. Trocadas por travesseiros macios e leves, aquele parecia o lugar mais seguro para noites como aquela.
Sim, parecia seguro; até que escutara um fardo se arrastando teto acima. Devia ser algo pesado, muito pesado. Talvez pesado feito a máquina de costura da Vó Dirce ou como o peso de um homem como vira num filme. Pensar num homem morto sendo arrastado lhe aumentara o medo. Mas quem arrastaria uma máquina de costura àquela hora? Beto tinha dito que só vovós muito velhinhas tinham daquela máquina.
O medo aumentava já que o barulho vinha naquela direção. Juntou as mãozinhas como quando sua mãe orava. O barulho foi até onde estava e parou. Sentiu um calor tão grande como se todo o peso arrastado até ali fosse de um sol ou de uma tocha de fogo. Teve que sair do closet em disparada e trombou com as pernas do pai que passou as mãos na sua cabeça molhada.
- Nossa! O que foi isso!
- Estava com medo de um homem morto cair em mim.
- Pesadelo de novo?! - Não! Devia ser máquina de costura de outras avós, pensou.
Não existia mais espaço para o medo com o pai por perto. Foi para a escola e a professora pediu para fazer uma redação sobre o futuro. Começou dizendo que queria aprender a costurar, que é o melhor a fazer com uma máquina de costura. Arrastá-la, jamais! Escreveu também que nunca ia querer ver um homem morto. Mas com o passar dos anos, o destino lhe fez especialista em desvendar causa de óbitos duvidosos.
Marília L Paixão
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