MOMENTOS DE UM CARTÃO POSTAL NOTURNO
Marília L. Paixão

A noite não se vestiria de verde sem saber. Toda dona de si ela nos presenteava sua graça. Não estava fazendo falta a ausência da lua. Talvez se ela ali estivesse seria para servir de piso para todas aquelas jovens estrelas. Apenas dois rapazes vestidos de reis nos presenteavam com suas belezas masculinas tão sutilmente encantadas com o aroma das rosas espalhadas pelo vento. Os rapazes eram tão lindos quanto às moças e as moças eram tão lindas como é o verão.

A noite estava assim, terna e bela. Uma das moças tocava um violão enquanto mais parecia que o violão a tocava. Na verdade ela era tocada pelas palavras da própria voz e nós éramos tocados por toda beleza que ela despejava enquanto uns a acompanhavam e outros só ouviam, como eu.. .Mas o que não era belo naquele instante? Pensei que sequer uma máquina fotográfica revelaria aquele cenário, menos ainda uma digital. Seriam necessárias milhares de palavras que eu não daria conta de escrever direito. Mas e errado, será que eu daria?

Entre o que dou e não dou resolvi que melhor mesmo seria aproveitar cada instante. Quantas vezes me sentei? Quantas vezes levantei para depois sentar de novo na mesma calçada? Também havia grama, havia carros e uma bela moça não poupava simpatia sequer enquanto comia seu sanduíche. Ofereci-lhe um sprite zero e nem cerveja eu mais queria. Uma outra moça de nome inesquecível ria de mim. Será que todas as Irenes são assim? Eu pensava enquanto me invadia uma enorme simpatia pela moça dona de outra moça também simpática assim.

Alguém chegou a dizer que aquele momento não se repetiria. Ninguém tinha mais certeza disso que eu. Tanta era minha certeza que por isso não fui embora mesmo os olhos querendo se despedir da madrugada serena e daquela mansa noite verde. Um dos reis me falou alguma coisa que eu mal ouvi de tão extasiada que estava com aquele cartão postal noturno. Vozes eu só queria ouvir, mas não a minha. Respondi com palavras curtas a tal pergunta despretensiosa e me calei. Perdi o rei... Perdi a oportunidade de saber mais sobre ele. Quando se despediu e foi embora estava cheiroso como as rosas que ficavam. Foi embora todo lindo levando a moça do sanduíche.

Continuávamos lá, agora com apenas um rei. Isabela, uma das moças belas também possuía sorrisos lindos e humor fantástico. A maioria das moças eu não sabia o nome. Eu gosto de nomes. E o rei fulano de tal que eu deixei ir embora sem nem saber o nome deveria possuir um nome lindo. O outro rei o nome eu guardei bem, principalmente por ele ter chegado depois de mim e eu ter ido embora antes dele, fora o abraço gostoso que ele me deu quando me despedi.

Todas as moças mais novinhas foram embora antes do princípio do fim. A madrugada nos enfeitiçava pelo meio e foi uma pena elas terem ido sem deixar nomes para este postal. De qualquer forma há um retrato de cada uma em cada cantinho. Todas marcavam importante presença naquela meia luz da praça. Retratavam a juventude moderna com seus rostos, roupas do corpo e acessórios. Possuíam olhares vivos e ternos. Aquela noite parecia perfeita de tanta calma e harmonia. As poucas conversas não interrompiam nenhuma canção brasileira ou estrangeira (só por causa de London, London).

Para finalizar a cantora começou a recitar versos de Fernando Pessoa, Mário Quintana e Drummond. Depois vieram as saideiras. Senti vontade de criar uns versos, mas não tinha papel nenhum por perto e os que passaram pela minha cabeça já esqueci. Só não esqueci do título que daria àquela noite: Momentos de um cartão postal noturno. E se prometi alguma coisa para este ano novo foi escrever este cartão postal que agora está escrito. Só não posso me esquecer de dizer que se naquela cidade existisse um corcovado como existe no Rio, no corcovado daquela praça quem abria os braços era a moça que cantava.

Todas as pessoas que a ouviam maravilhadas, também se sentiam estrelas de verdade e tudo parecia ser por causa dela. O clima ambíguo entre aquela noite verde, entre aqueles sorrisos entre moças, entre os reis mais comportados e o coração aberto da cantora, não dissipava sequer quando chegava ou partia um carro. Sim aquele era um momento mágico, assim como todos os outros que acompanharam a noite e o amanhecer daquele cartão postal noturno. E se eu perdi os últimos instantes dele é por saber que a tudo resgataria ao escrevê-lo. Quanto ao que eu perdi, só sabe quem não perdeu.