Dificilmente uma luva amorosa se transformaria numa luva assassina, mas impossível mesmo seria uma luva assassina transformar-se em amorosa; de qualquer forma, essa não será uma história de luvas; mas sim de mãos. Mãos esquecidas.
Mãos que esquecem de quebrar os ovos ao fazer o bolo. Mãos que perdem o lápis antes de desenhar as letras no bordado. Não havia ainda máquina de escrever, de bordar, de bater… Era mais fácil criar clima de mistério. Mesmo que fosse o mistério das mãos separadas.
Separadas do corpo, do frio, do calor, da ausência do pulsar do coração. Uma mão pertencia a Elenice, outra a João. Uma dentro do carro, outra na beira do lago. Um relógio bonito voado pro mato. Sorte das alianças não terem sido compradas. Samuel vendo o carro pegar fogo nem lamentava ter perdido a noiva. Aquelas mãos não eram para serem suas. Jogou fora as luvas sujas de graxa que não acenaram adeus.
Tão logo na estrada, começou a ver luvas no asfalto. Uma com a pulseira feminina, outra como um pulso pronto para a luta. Confuso com a cena, acabou vendo o céu sem diamantes. E sem nunca imaginar todas as pessoas vivendo por um mundo melhor, como queria John Lennon, escafedeu-se.