A ESPERA DA SOPA
Marília L Paixão
Pedro assistia o inverno rígido em meio a um verão instável. Carregava dentro de si metade de um ferro velho herdado do pai, metade de um terreno herdado da mãe. Teve como vizinhos uns dois irmãos que construíram por direito ou afeto, por ali mesmo. Os ferros do pai sangravam seu peito ao mesmo tempo que parecia uma profissão garantida. Dentro dele, garantida era a saudade da mãe. E passou a pintar latas velhas e as enchê-las de plantas. O irmão que entendia mais de leitura recomendou uma terapeuta, haja vista que seu luto parecia o mais longo caminho da falta de sossego e inquietação. Ele aceitou a ideia da terapeuta como se tivessem lhe oferecido uma xícara de café. Esta lhe receitou um caderno em branco que deveria se transformar em diário para as coisas de dentro de si. E ele escreveu:
Acordo. Dentro de mim há um café da manhã em branco com a ausência dela. A minha roupa, escolhida por mim mesmo, não combina com nenhum dos meus botões. Eu sei que já devia estar mais que acostumado com este vazio, mas ele nunca se completa.
A terapeuta o chamou de poeta por vocação e pediu que ele escrevesse também sobre o almoço e o jantar. Ele escreveu:
Mãe, finalmente apareceu alguém que se preocupa se eu como ou morro. Ela gostou do meu café da manhã, mas como irá gostar dos almoços que atropelam minhas jantas? A verdade mesmo é que eu queria que a senhora não tivesse partido. Eu ainda não me tornei o homem vitorioso que a senhora via em mim e isso me amedronta. Dentro de mim, há um menino à espera da sopa. Se eu escrever sobre o jantar, não vai me sobrar ilusão nenhuma.