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SOBRE UM FILME QUE ESCONDE MAIS QUE MOSTRA E GANHA O OSCAR
SOBRE UM FILME QUE ESCONDE MAIS QUE MOSTRA E GANHA O OSCAR
Marília L. Paixão

Assisti ao filme várias vezes em 2006. Tinha ficado bastante impressionada. Quanto mais via mais achava que tinha mais coisas ali e aos poucos fui vendo...
O filme vem com um realismo surpreendente. Ficou bem evidente a reação brusca de uma pessoa em choque com outra em circunstâncias nada prazerosas. Todas as cenas nos despertam para a análise dos fatos em si e também nos leva a imaginar debaixo da mesma pele. E se nos imaginamos sofrendo aquilo que estamos vendo ou fazendo sofrer conseguimos ver o tanto que poderíamos estar sendo monstruosos ou injustiçados.

Ficamos observando os defeitos dos outros e encontrando os nossos. Há alguns exageros, mas como filme é filme e drama é drama, nos deixamos envolver e vamos sentindo a trama, vivendo com cada personagem e deixando o filme nos tocar grandemente. O fato de este filme despertar tantos sentimentos já o faz um grande filme. Nem seria preciso grandes atores como Sandra  Bullock, Brandon Fraser, Don Cheadle, Terrance Howard , Thandie Newton e etc.

O que há no filme? Uma dona de casa tediosa que humilha a empregada latina e morre de medo da maioria dos afro-descendentes, que a seu ver são supostos marginais. Seu marido, um promotor público muito preocupado com sua candidatura política e com detalhes que poderia prejudicar ou favorecer sua imagem. Temos comerciantes irritados ameaçados e sendo ameaçadores. Comerciantes de origem estrangeira que não se respeitam. Por falar nisso, tem estrangeiros demais no filme. Parece que em Los Angeles o que mais falta é americano. Mas tem um americano, um policial, que maltrata imigrantes e pessoas de cor. Ficou bem realçado que o americano era péssima figura!

Então ficamos com idéia de que o filme é uma mistura de preconceitos contra pessoas de classe desfavorecida, contra racismo e imigrantes. Há também corrupção, drogas, detetives honestos, policial em início de carreira, famílias normais expostas a tragédias injustas. O filme tem tudo de interessante e você pensa: Mais um filme contra o racismo e tolos preconceitos que nos mostram que poderíamos ser seres humanos melhores se passássemos a tratar melhor o próximo respeitando todas as diferenças. Excellent!!!

Mas o final do filme se for bem analisado, mostra que o filme na verdade é racista e preconceituoso. No final do filme os brancos que eram os vilões tranformam-se em bonzinhos e até em heróis e os pobres negros que eram marginais, continuam marginais ou mortos. E se tinha um negro honesto, este se deixa corromper. Quanto aos imigrantes, estes ficam sendo os responsáveis pelas tragédias. No final cai uma neve com uma música comovente e a neve com a música triste parece um hino de paz, para que as pessoas deixem seus sintomas de raiva em prol da compreensão humana e sejam mais tolerantes enquanto a neve cai colorindo tudo de branco. A paz é branca. O mundo pertence aos brancos? As pessoas todas deveriam ser brancas? Se o mundo fosse só dos brancos haveria mais harmonia entre os seres? Seria essa a mensagem final? Ou a neve branca e fria para acalmar todas as pessoas de sangue quente? Um contraste entre branco e preto?

Claro que na primeira vez que assisti ao filme eu de forma alguma pensei nessas coisas. Mas depois de assistir umas cinco vezes e ler muitos comentários sobre ele passei a enxergar o racismo, o sentimento de anti-americanismo. Seria mais um filme para criticar a vida americana? Muitos americanos odiaram o filme e reclamaram também da péssima imagem que o filme faz da cidade de Los Angeles. Eu pessoalmente não conheço Los Angeles. Mas já morei em Nova York e também em outras cidades como muitos outros imigrantes e nunca vi imigrante em pé de guerra um com outro principalmente de diferentes países. Essa parte achei um exagero e rebaixa toda a categoria de qualquer estrangeiro como ser humano um com os outros.

O filme é muito bonito! Muito bem feito. Muito inteligente. Mas eu pergunto: por que no final do filme os brancos se tornam bonzinhos e os negros coitadinhos?
Até o único cara negro que era bem de vida, um diretor de televisão, é transformado em
um sujeito negro raivoso  qualquer e bastante violento como se não tivesse cultura nenhuma! E acaba colocando as mangas de fora e agindo como os negros que são marginais agem. Enquanto isso o policial branco veterano racista se transforma em herói?!  O policial branco que era bonzinho, quando erra fica relevante que foi sem querer e não por transformação de caráter. A dona de casa egoísta, branca e rica se torna humilde e companheira. No final tudo que tem a ver com o homem branco é desculpável e louvável, mas todas as falhas das pessoas negras  são irremediáveis.

Passar esta imagem é justo? Claro que não! Era esta a intenção do filme, claro que não!!! Ou será que não? Mas quem está por trás das câmeras é um homem comum e este não consegue se livrar dos seus próprios preconceitos. O maravilhoso filme CRASH, no limite, vencedor do Oscar 2006 pode não estar combatendo o preconceito, mas reforçando-o. Vale a pena refletir sobre os personagens e suas transformações. Algum personagem de cor melhorou 100% como os brancos sofreram melhoria? Achei muito injusto esse critério de transformação que favoreceu aos brancos e às pessoas de cor não. Mas é tudo muito rápido no filme. Você acaba ficando com as imagens das cenas heróicas e se esquecendo de detalhes como estes. E assim alguém escolheu para você quem seria o herói preferido. Eu bem que teria escolhido o diretor de Tv. Não custava nada fazer ele aparecer  lá e dar uma mãozinha. Não teria atrapalhado o filme em  nada e pelo menos daria a glória também aos negros.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 30/03/2008
Alterado em 15/03/2009
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