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AMOR DESABADO (As reclamações)
AMOR DESABADO
Marília L. Paixão

Carta de reclamação – continuação

Sinceramente eu gostaria de poder suavizar as palavras que sairão de dentro de mim, mas eu quero que você entenda que as sinto com esta mesma força e talvez não seja possível suavizar nada. Elas na verdade se tratam do que está acontecendo entre a gente. Não anda acontecendo nada!!! Às vezes saímos juntos, mas é para o trabalho em caminhos diferentes. Mais tarde eu volto e saio em nosso horário de trabalho diferente e você ainda não chegou e tenho que sair de novo. Quando te encontro já está dormindo ou morto de cansaço. Mal tem tempo de ouvir uma frase minha e já pede que eu apague a luz e faça o mínimo de barulho, por favor. Parece que lhe basta só saber que cheguei em casa, que seu ouro está bem guardado mas eu não me sinto ouro nenhum. Até o seu beijo rápido parece frio.

Eu queria que você me perguntasse coisas, queria que me falasse coisas, queria que a casa ganhasse brilho no momento em que nos encontramos. Sabia que no caminho minha mente enche essa casa de florzinhas e coraçõezinhos? Sabia que eu a imagino cheia de calor por saber que vou te encontrar aqui dentro? Geralmente venho muito pensativa, venho já cansada, mas por dentro há um céu se movendo. Eu me sinto voltando para uma casa cheia de amor e um amor que não é só meu. Lá na minha casa a metade do amor ganha seu nome e a outra metade ganha o meu.
Eu coloco a chave na porta com o peito a estourar de alegria, mas a alegria se desfaz assim que te vejo tão desatento, tão esquecido de mim. Parece que cheguei, mas foi para significar um fim de dia, sem palavras de amor, sem nenhuma novidade em sua brisa.

Eu posso ser a mais passional enquanto você se direciona a outros blocos deste relacionamento, mas ainda assim eu preciso lhe sentir ou os blocos que você constrói não farão para mim, nenhuma diferença. Acha que me basta saber que vem da casa para o serviço e do serviço para casa? Acha que me basta a certeza que não tem nenhuma amante e que sou a única e que envelhecerei sendo sua escolhida para estes e os últimos dias da sua vida? A minha pergunta chave é: que vida??? Eu olho para mim e vejo os olhos, o nariz e a boca da minha vida tombando em uma solidão diária que não melhora em nada nos finais de semana.

Eu sempre fui de ser bajulada e rodeada de um certo romantismo. As palavras mais simples faziam mágicas sem duendes nenhum e não era nenhum mundo de fantasia ou poesias. Eram palavras de amor que enfeitavam o meu dia-a-dia sem eu pedir. Era amor entornando pelos olhos, pelos toques e através dos gestos mais simples. Com você eu sinto que sua satisfação está no quadro completo. Na ordem normal das coisas como uma mesa posta para um jantar onde o prato, a faca, o garfo e o copo, enfim tudo está no lugar certo. Como se eu fosse um utensílio não dispensável, mas não significasse nada de especial. Assim como quando o carro está na garagem, me sinto a sua mulher dentro de casa, certinha. Sinto-me apenas parte de uma casa sem festa, sem vida, sem bichos, sem planta. E como a mulher da casa posso me sentir também como o livro principal da estante. Não estou gostando nada disso!

Quando nos conhecemos o que mais gostou em mim eram nossas diferenças. Você me disse que eu era cheia de movimento e isso te atraiu muito. Você achou que sua vida precisava de mais movimento e eu era tudo que faltava. Você parece estar transformando minha vida na paradeira em que a sua era! Os meus movimentos foram aos poucos trocados pela sua inércia. Eu sem perceber fui me adaptando ao seu jeito de ser e abandonando o meu. Se eu falo em fazer algo diferente você vem com um não aqui e outro ali e nada fazemos. Quando dou um grito você sugere que saia com uma amiga ou com o pessoal do trabalho. Eu quero fazer coisas com você!!! É a sua falta que eu sinto.

O que pode acontecer se eu começar a sair com outras pessoas e te deixar em casa? Posso gostar muito da companhia de outras pessoas... Posso até desejar uma nova vida ao lado de outra pessoa. Mas este passo seria um passo para uma pessoa sozinha. É este o passo que me sobra? Será este o caminho?  Você sabe que sou ótima para abrir portas! Se eu tiver que seguir abrindo portas sozinha, vou acabar fechando a nossa. Não. Isto não é um fim! É só para você refletir. Sem mais essa carta deve estar cheia de erros que não vou corrigir. Afinal, os erros da sua distancia parecem sem fim. Talvez você nem perceba erro nenhum aqui. E eu? Onde estava com a cabeça quando não vi os sete mil erros deste relacionamento?

Será que perdida nas lindas frases que de você recebi sem saber que tinha apenas copiado de algum site onde há muitas cartas de amor? Ah! Faça-me o favor!!! Devolva toda a emoção que de mim explorava enquanto trapaceava. Você não era merecedor de nenhuma delas se aquelas palavras não saiam do céu do seu coração bandido. Você me conquistou com falsos artifícios. Eu nunca imaginei que lhe escreveria uma carta como esta. Você foi cuidadoso na escolha das frases que me escrevia. Parecia que copiava as que com poucas palavras muito dizia. E eu pensava que vindo de você era uma montanha de areia anunciando uma diferente primavera. Acho que minha ilusão é que era bela...

                                                              --------2006
Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 12/04/2008
Alterado em 12/04/2008
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